Nos últimos cinco anos, buscando compreender algumas escolhas que fiz, especialmente as relacionadas à minha carreira, tenho revisitado algumas memórias de infância. Sabe aquela pergunta clássica “o que você quer ser quando crescer?” Eu nunca soube bem como respondê-la. Minha melhor amiga sempre teve clareza sobre seu desejo de ser psicóloga, uma aspiração que ela concretizou. Eu, no entanto, nunca fiz uma afirmação categórica sobre o que queria ser. Até me lembro de uma fase em que fantasiei ser astronauta, mas logo desisti, ciente da necessidade de habilidades em exatas, que nunca foi meu forte.
No entanto, desde o momento em que aprendi a ler e descobri o poder dos textos, compreendi que queria escrever. Eu não me lembro de jamais ter declarado, expressamente, que queria ser escritora, mas sim que queria escrever.
A possibilidade de conquistar estabilidade e melhores salários me fizeram optar pelo Direito como área de formação e o serviço público como carreira. Me tornei servidora pública do TJMG. Embora meu cargo original fosse voltado para tarefas administrativas, já nos primeiros meses após a minha posse, encontrei uma forma de me aproximar da escrita. Consegui um cargo comissionado na assessoria de um desembargador, no qual permaneci por quase dez anos, analisando processos e redigindo minutas de decisões judiciais.
Durante esse tempo, eu estudava para concursos de magistratura. Queria ser juíza. Hoje percebo que, assim como na infância, o que me atraia na magistratura não era tanto o cargo em si, mas o fato de a escrita ser o principal instrumento de trabalho do juiz (me atraia também, obviamente, o excelente salário e mais todos os outros benefícios do cargo). Mais do que ser juíza, o meu verdadeiro desejo era escrever.
No final de 2019 um burnout me obrigou a colocar em pausa meu projeto de ser juíza. Precisava cuidar de minha saúde. Essa pausa forçada me fez repensar minha trajetória profissional e me abriu espaço para contemplar outras possibilidades e caminhos. Em 2021, meu então companheiro, agora marido, e eu decidimos morar por um tempo no Canadá, seu país natal. Por causa disso, fui em busca de uma oportunidade de trabalho remoto no Tribunal e a encontrei em um setor administrativo. Isso implicaria, no entanto, afastar-me da escrita e retornar às atividades burocráticas.
A escrita criativa, que foi o que me fez encantar pela arte de escrever quando criança, sempre esteve presente na minha vida de alguma forma, ainda que eu tenha dado a ela um papel de coadjuvante. Quando criança até escrevi um livrinho que contava a história de uns amigos que faziam uma viagem incrível juntos, mas que no final tudo não passava de um sonho do personagem principal. Na adolescência escrevia em diários e comecei vários blogs. No início da vida adulta, que coincidiu com a chegada das redes sociais, fazia posts reflexivos, muitos deles deletados rapidamente por vergonha e receio de exposição.
Porém, durante os anos trabalhando em gabinete de desembargador, que coincidem com os anos que em estudava para ser juíza, minha produção escrita limitou-se quase exclusivamente ao âmbito do Direito. Talvez por exaustão, devido às longas horas equilibrando trabalho e estudos, ou por sentir que minha necessidade de escrever estava sendo atendida, afinal, eu estava escrevendo, mesmo que apenas textos técnicos jurídicos.
A decisão de retornar às atividades estritamente administrativas no Tribunal afastou-me da escrita como parte integrante do meu trabalho, deixando uma enorme lacuna em minha vida, uma sensação de perda da minha identidade. Já não estava mais trabalhando com escrita, como sempre almejei. Tampouco estava perseguindo a carreira de juíza, o que também me afastava da escrita enquanto ofício. Encontrava-me totalmente perdida, sem uma clara noção de quem era ou do que faria dali para a frente.
Sem ponderar muito, sem racionalizar, voltei a escrever com mais frequências sobre meus pensamentos, aflições e vivências, numa tentativa quase desesperada de entender minha própria identidade. O vazio deixado pela escrita de textos jurídicos foi, então, sendo preenchido pela escrita criativa. À medida que as palavras eram transformadas em frases, orações e textos eu me percebia mais eu mesma e experimentava uma diminuição da frustração e ansiedade que antes me consumiam.
No final de 2023 eu escrevi no meu diário: “a escrita foi o que sempre me salvou”. Não é exagero. A escrita foi o que me trouxe clareza em relação às minhas escolhas. Foi escrevendo (e com ajuda de muita terapia) que compreendi que preciso escrever, seja profissionalmente ou não. Entendi que não existo sem a escrita, que escrever é minha forma de ser, expressar-me e conectar-me comigo mesma e com o mundo.
Há pouco mais de um ano, voltei a trabalhar com escrita jurídica, realizando projetos como freelancer e ghostwriter. Além de complementar a minha renda, isso me traz uma satisfação maior em comparação ao trabalho puramente burocrático na administração pública. Mas percebo que não tem sido o suficiente como antes.
A escrita criativa a cada dia vem reivindicando um lugar de mais destaque em minha vida. Decidi que chegou a hora de dar a ela essa abertura. Dar mais liberdade, mais voz a essa persona que sempre existiu, sempre esteve ao meu lado, por vezes silenciosa, por vezes escandalosa, mas de certa forma abafada, reprimida. Ela merece esta chance de existir plenamente.
Seja bem-vinda, eu, escritora.
As artes que acompanham este texto são ilustrações de Rosina Wachtmeister.
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Hello Bruna, I don't understand the Spanish, but I wish I did. The drawings are absolutely beautiful!!