#11 - As dores de parir a si mesma
Sobre não ser perfeita, não ter controle e, ainda assim, estar gerando vida

Estou grávida.
Não era assim que eu esperava compartilhar sobre minha gravidez aqui no Substack. Imaginei escrever um texto bonito em que contaria sobre a gestação relacionando todas as transformações no meu corpo e na minha mente com a passagem das estações do ano. Este texto – que venho rascunhando desde o dia em que recebi meu positivo – ainda não foi finalizado. Não sei bem por quê, mas escrever sobre a gravidez, traduzir em palavras tudo que tenho vivido e sentido, tem sido mais difícil do que eu imaginava. Sinto como se meu olhar, minha escuta e escrita estivessem todos voltados para dentro, neste espaço íntimo entre meu bebê e eu.
Hoje, no entanto, eu precisei escrever. E o que motivou este texto não foi a alegria de estar gerando uma vida dentro de mim, mas a raiva. Não do meu filho, por quem já sinto um amor profundo, mas da constatação da existência de um sentimento que, acredito, irá fazer parte de mim a partir de agora: a culpa.
Até as 22 semanas, minha gestação vinha sendo bastante tranquila. O primeiro trimestre teve seus incômodos esperados: enjoos – felizmente sem vômitos –, aversão a alguns alimentos, cansaço e falta de energia. Mas, no segundo trimestre, tudo começou a melhorar: minha energia voltou e com ela meu apetite, a barriga apareceu de um jeito que achei bonito, comecei a me sentir um pouco mais eu mesma. Quando senti o bebê mexer pela primeira vez, fiquei mais tranquila, sem as constantes neuras do tipo “será que está tudo bem com ele?”. Enfim, tudo fluía bem.
Até que, absolutamente do nada, comecei a sentir uma dor na gengiva, exatamente no local onde, há uns 15 anos, extraí um dente siso. A dor começou leve, mas foi piorando, até me incomodar para comer e falar. No dia seguinte, como a dor não havia passado e o local estava bem vermelho e inchado, marquei uma consulta com uma dentista.
Ao me examinar, ela identificou uma gengivite gravídica, condição que até então eu não conhecia, mas que aparentemente é comum em gestantes. Devido ao aumento dos hormônios – especialmente progesterona e estrogênio – e do fluxo sanguíneo, a gengiva na gravidez fica mais sensível e propensa a infecções. Aliás, uma digressão: pesquise qualquer sintoma no Google seguido da palavra “grávida” e provavelmente você lerá: “comum na gravidez”.
A dentista fez uma limpeza no local que doeu tanto, mas tanto, que me fez pensar se não seria essa dor igual ou até pior do que a dor do parto. Ali mesmo, na cadeira, conversei com Deus e com meu filho, dizendo que, depois daquele momento, me sentia pronta para todas as dores que viessem. Ao finalizar, ela então me prescreveu bochechos com água, sal e bicarbonato; e disse para voltar caso não melhorasse, ressaltando que talvez seria o caso de tomar antibióticos.
Voltei para casa um pouco mais aliviada, fiz os bochechos, mas na madrugada acordei com uma dor absurda que irradiava até o pescoço. Não consegui dormir. Fui ao banheiro e, ao me olhar no espelho, vi que a gengiva estava ainda mais inchada. Fiz outro bochecho e fiquei por cerca de uma hora no sofá, reclinada, segurando uma bolsa de gelo no rosto. Quando a dor aliviou um pouco, voltei para a cama e dormi o que deu.
Na manhã seguinte, acordei de um sono agitado e a dor era ainda mais intensa. Sentia como se a mão da dentista estivesse ali, naquele momento, com aqueles instrumentos metálicos pavorosos, perfurando constantemente minha gengiva até chegar no meu pescoço. Meu rosto estava muito vermelho e começou a inchar. Liguei novamente para a dentista, que pediu para que eu voltasse ao consultório quanto antes. Lá, ela confirmou que era uma infecção bem forte e que não haveria outra opção: eu teria que tomar antibióticos. Além disso, seria necessário fazer um raio-x para avaliar melhor a situação.
Nessa hora eu senti bastante medo. Sabia que fazer raio-x durante a gravidez não é recomendado. Percebendo minha insegurança, ela me explicou que o exame de imagem representava um risco muito pequeno, considerando a quantidade ínfima de radiação – que seria somente local – e o fato de que eu usaria um cobertor de chumbo para proteger a barriga. Ela ressaltou, ainda, que uma infecção mal diagnosticada e tratada ofereceria um risco muito maior ao bebê. Confiei nela e fiz o exame.
Ao voltar com o resultado, a dentista me disse que era possível ver pelo raio-x um pedaço do meu siso, possivelmente a raiz, que não foi extraída na época, e provavelmente tinha causado a infecção. Até então eu não fazia ideia de que era possível ter um pedaço do meu siso, e pior, que esse pedaço me colocava em risco de infecções!
Foi a primeira vez, nessas 22 semanas de gestação, que senti com força a minha fragilidade, a minha impotência e, com isso, veio uma culpa imensa.
Desde que descobri a gestação tenho tentado fazer tudo da forma mais cuidadosa possível para me manter saudável e proteger o meu bebê. Cortei o café, não bebo nem uma gota de álcool – apesar de algumas pessoas, inclusive médicos, defenderem ser seguro tomar uma tacinha de vinho –, evito saladas e frutas fora de casa, não como sushi nem carnes malpassadas ou queijos não pasteurizados, reduzi os doces, procuro ingerir alimentos saudáveis, evitando especialmente os ultraprocessados, e mantenho uma rotina de exercícios semanais.
E então, um pedaço de dente – que nem deveria mais existir – foi capaz de desestabilizar todo o meu sistema, gerar uma infecção e me forçar a tomar um antibiótico. Um remédio que, por mais que digam ser seguro na gravidez, me fez sentir culpada por estar colocando no meu corpo algo que, idealmente, não deveria estar ali.
Não sou, de forma alguma, contra medicamentos, vacinas ou abordagens médicas. Pelo contrário, sou totalmente a favor da ciência e busco sempre tomar decisões baseadas em evidências. Mas na gravidez é diferente. Existem poucos ensaios clínicos com gestantes – em grande parte por razões éticas e de segurança –, mas também porque muitas mulheres não se sentem confortáveis em participar desses testes, por motivos óbvios. Eu mesma não participaria, com receio de causar qualquer dano ao meu bebê. Por isso, sempre paira a dúvida: será que é seguro? Diante dessas incertezas, o que nos resta é ponderar os riscos, escolher aquilo que pareça causar menos danos e torne possível manejar e lidar com a culpa.
Antes dessa infecção, eu estava me sentindo uma espécie de super-heroína. Porque, sim, gerar um ser humano é algo extraordinário, e às vezes parece que nós, mulheres, temos mesmo superpoderes. Mas essa dor me lembrou que, no fundo, seguimos sendo humanas, vulneráveis e suscetíveis a todos os perigos do mundo. Entendi, pela primeira vez com clareza, que por mais que eu tente proteger meu filho, nunca serei capaz de blindá-lo completamente dos riscos. Nem agora, enquanto ele ainda está dentro de mim, nem depois, quando estiver fora.
Essa constatação me abalou. Foi parecido com a percepção que temos com nossos pais ou adultos no geral: por muito tempo os enxergamos como invencíveis, e é duro perceber, aos poucos, a fragilidade que sempre esteve ali, mas que a gente não via. Hoje, me vejo no lugar de futura mãe, uma função com mais responsabilidade do que qualquer trabalho que já tive. Desde que recebi meu positivo, venho gestando não só um bebê, mas também essa nova identidade. Me sinto, sim, muito mais forte e mais confiante em muitos aspectos; mas, no fundo, continuo sendo a mesma: frágil, vulnerável, e lidando com decisões sem ter certeza de estar fazendo o certo.
Acredito que, ao longo da gravidez, vamos parindo muitas novas versões de nós mesmas. Até então, eu só havia parido a versão supermulher; aquela que dá conta de tudo, controla cada mínimo detalhe, que pensa sempre no filho em primeiro lugar. Mas essa infecção me levou a um parto muito mais doloroso: o da mulher que precisa lidar com a culpa de não ser perfeita, de não ter controle sobre nada, de ser frágil. O parto da mulher que é, acima de tudo, humana.
Antes de engravidar, quando a maternidade era somente uma ideia distante, eu lia e ouvia relatos desses sentimentos contraditórios. Imaginava que seria um desafio enorme lidar com eles, mas vivê-los na pele é outra coisa… É um processo tão real e doloroso quanto minha gengiva inflamada.
Ainda assim, não acho que eu deva desistir de acreditar nos meus superpoderes. Essa minha versão será importante, especialmente para que eu acredite e confie na minha capacidade de gestar e, em breve, parir e criar um ser humano. Mas também não posso, e nem devo ignorar minha fragilidade e impotência diante de tantas situações que não estão sob meu controle.
Por ora, só me resta fazer o que está ao meu alcance: tomar meu antibiótico, torcer para que ele faça efeito, que eu me recupere logo dessa infecção e siga cuidando bem do meu corpo, que por mais alguns meses será a morada do meu bebê. E assim seguirei: um passo de cada vez, tentando fazer o melhor possível.
Fora do Laboratório…
Passado o susto da gengiva inflamada as coisas começaram a se acalmar novamente do lado de cá. Completei 24 semanas de gestação – o que significa que estou no sexto mês – e tudo tem corrido bem. Estamos na fase de preparar o ninho para a chegada do bebê.
Por onde andei:
O verão finalmente chegou e com ele a minha época favorita aqui em Montreal: a temporada de festivais! Apesar do cansaço e do peso da barriga que já venho sentindo, consegui aproveitar alguns shows do Festival Internacional de Jazz. É incrível ver a cidade vibrando com arte, música e cultura e claro, com o calor: do sol e humano.

Na TV:
Assisti à série Departmento Q, na Netflix. Nunca li o livro em que ela é baseada, mas gostei bastante da série. Achei a trama intrigante e bem amarrada e as atuações muito boas.
Leituras:
📩 Raisa Monteiro Capela, como sempre, fazendo reflexões maravilhosas:
📚 E por influência da Raisa, estou lendo Caderno proibido, de Alba de Céspedes, e simplesmente amando! Estou lendo aos poucos, para desfrutar mais da leitura, como se eu e Valeria, a personagem principal, estivéssemos escrevendo o diário juntas.
Para ouvir:
Durante o Festival de Jazz, fui ao show do cantor inglês Charlie Cunningham. Foi um show acústico, apenas ele e sua guitarra, num clima bem intimista. As músicas dele são uma delícia de se ouvir.
Um beijo e até a próxima.
Créditos:
Revisão de texto: Lorena Camilo
amiga Bru, sinta-se abraçada. Vai ficar tudo bem com você, sua gengiva e seu bebê.
um beijo enorme e aproveita o verão para curtir bastante.
sem ter qualquer lugar de fala neste assunto, só posso dizer que estou aqui na torcida para que a dor passe e você consiga focar as energias em curtir a gravidez! vai dar tudo certo! 🙌