# 8 – Todas as coisas que aprendi com meu pai
Com os passar dos anos fui percebendo que, sou sim a cara do meu pai.

A primeira coisa que lembro de ter aprendido com meu pai foi a fazer tranças. De todas as inúmeras habilidades de minha mãe, arrumar meu cabelo não era uma delas. Por isso, era a meu pai quem eu pedia para trançar meu cabelo. Ele fazia a trança do jeitinho que eu gostava, bem apertadinha. Quando as minhas mãozinhas já tinham habilidades suficientes, ele me ensinou, usando como modelo a única Barbie que eu tinha, a arte de separar os cabelos em três mechas, pegar as da extremidade e ir passando por cima da do meio, repetindo o processo até o final dos fios. Depois que dominei a técnica na Barbie, passei eu mesma a trançar meus cabelos.
Na nossa casa havia uma coleção de enciclopédias e eu, curiosa desde sempre, vivia com elas abertas, ainda que não entendesse muito aqueles textos complexos. Um dia, encontrei dentro de um dos livros um laço de origami, feito com embalagem de bombom Sonho de Valsa. O rosa brilhante do papel já estava meio desgastado, fazendo parecer que se tratava de algo bem antigo. Peguei o laço, a tinta rosa se transferiu um pouco para os meus dedos, e observei atentamente cada detalhe: as dobraduras que se entrelaçavam, não sendo possível saber de onde começavam e onde terminavam, as pontas soltas. Foi como descobrir um tesouro! Perguntei à minha mãe o que era aquilo e ela, com um sorriso no rosto, me disse que foi um presente do meu pai, da época em que namoravam. Ele havia dado a ela de presente um Sonho de Valsa e, depois de consumido o chocolate, havia feito o laço com a embalagem, que ela guardou de lembrança por todos aqueles anos.
Quando meu pai chegou do trabalho, empolgada, contei para ele a minha descoberta do dia, mostrando o laço de origami. Ele o pegou da minha mão e, ali na minha frente, o desfez. Eu o olhei incrédula, sem entender o porquê de ele ter feito aquilo. Mas ele, pacientemente, começou a dobrar o papel novamente, me explicando cada etapa do processo. E foi assim que aprendi, com meu pai, a fazer laços de origami usando embalagens de bombom. Até hoje, toda vez que como um bombom, especialmente Sonho de Valsa, faço um laço com a embalagem e penso no meu pai.
Foi com meu ele também que aprendi a passar a fase de levantamento de peso do jogo Tiny Toom Adventures: Wacky Sports Challenge, no Super Nintendo. Eu e meu irmão ficamos meses – ou talvez tenham sido dias, mas para as crianças o tempo sempre parece maior do que é – tentando passar essa fase, mas sempre perdíamos e ficávamos muito frustrados. Até que meu pai um dia desenvolveu a técnica de apertar o dedo indicador e médio nos botões A e B da manete de forma alternada e muito rápida. Isso fez com que o Tazz, o jogador escolhido pelo meu pai, ganhasse muito mais velocidade e conseguisse levantar o peso mais rápido do que os demais competidores. Para nossa alegria, conseguimos finalmente passar não apenas daquela fase, mas todas as outras e zeramos o jogo.
Uma outra coisa que aprendi com meu pai, e talvez essa tenha causado alguma irritação na minha mãe – e em outras pessoas também –, foi a teimosia. Meu pai é do tipo que quando cisma com uma ideia ou um projeto, principalmente os que envolvem o conserto de alguma coisa em casa, não desiste e vai até o fim, independentemente de o fim ser bom ou ruim. Uns podem chamar isso de persistência, mas no fundo é mais teimosia mesmo – e eu e meu pai sabemos disso, porque somos iguaizinhos.
Aprendi com meu pai, ainda, a pagar língua. No dia em que, muito feliz, fui fazer a matrícula no curso de História na UFMG, enquanto aguardávamos na fila do registro, ele me disse: “daqui a uns dois anos você muda de curso, vai para o Direito.”. Obviamente eu respondi que jamais, tinha escolhido o curso que amava e ia me formar nele. Dois anos depois, após uma longa crise existencial na faculdade, lá estava eu novamente na fila do registro, como ele havia predestinado.
Também aprendi com meu pai a gostar de política e a importância da justiça social. Lembro de ter uns 6 anos quando, a caminho da zona eleitoral, de mãos dadas com meu ele e minha mãe, de estrelinha vermelha no peito, cantava a plenos pulmões “Lula lá, presidente do Brasil”, e pedia para que me deixassem marcar o X no nome do candidato. Por anos testemunhei meu pai tentando, através da política e de movimentos sociais, mudar a realidade de nossa cidade, feudo de uma poderosa família muito conhecida em Minas Gerais – com sobrenome de árvore – que usa o poder para seus próprios benefícios.
Muito antes de escreverem sobre as linguagens do amor – que, vamos combinar, são bem mais do que cinco –, aprendi com meu pai que gestos são uma das formas mais bonitas de se mostrar o gostar. Durante meus cinco anos de faculdade de Direito, meu pai dirigiu até a estação de ônibus - que ficava a uns trinta minutos da nossa casa - todas as noites para me buscar, mesmo estando cansado e com sono depois de um dia intenso de trabalho, e jamais reclamou.
Quando era criança, lembro que as pessoas falavam que eu era a cara do meu pai, mas eu não gostava de ouvir isso, ficava emburrada. Não porque não achasse ele bonito, pelo contrário, sempre o achei lindo! É que eu achava estranho ser menina e parecer com um homem, achava que meninas deviam parecer com meninas. Com os passar dos anos fui percebendo que, sou sim a cara do meu pai: o rosto redondinho, os olhos pequenos, levemente puxados – que para minha tristeza não nasceram verdes –, o nariz de bolinha, as bochechas proeminentes.
Hoje, quando me dizem que sou a cara dele, sinto um orgulho profundo, pois sei que nossas semelhanças vão muito além da aparência. Também sou igual a ele em muitos outros aspectos, porque muito do que sou hoje, do que me tornei, é resultado do que aprendi com ele. E tenho certeza de que ele ainda tem muito a me ensinar, especialmente agora, com a sabedora acumulada de tantas vivências. Espero continuar aprendendo e me tornar, a cada dia, um pouquinho mais a cara do meu pai.
Esta é uma edição especial em homenagem ao meu pai, que hoje, 16/11, faz aniversário. Como a distância me impede de estar ao lado dele para comemorar, envio estas palavras, carregadas de amor e saudade!
Te amo pai, feliz aniversário!
Créditos:
Revisão de texto: Lorena Camilo
Que linda homenagem, Bru.
Ter pai presente e amoroso faz um grande diferença na vida de filhas mulheres.
Um beijo, amiga!
Ahhhh que fofura de texto! Que presente lindo de receber! 💓