#3 – Sobre programas 30+, jogos e desenhos desastrosos
ou um manifesto em defesa daqueles que preferem programas tranquilos
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Sempre fui uma pessoa diurna, adoro dormir e acordar cedo. Minha mãe costuma contar que, quando criança, era difícil fazer com que eu esperasse pelo jantar, que geralmente acontecia por volta das 18h30 - sim, lá em casa sempre jantamos muito cedo -, às vezes eu até dormia com fome. Em contrapartida, por volta de 5h já estava de pé, querendo brincar e acordando a casa inteira.
Quando cheguei aos meus vinte e poucos anos, naquela fase em que é esperado que participemos de programas que se estendem até altas horas da madrugada e bebamos álcool além da conta, eu até ia em festas, boates, shows, mas honestamente não era algo que eu gostava tanto. Comparecia mais porque todos os meus amigos estavam indo, pela pressão de socializar e conhecer pessoas, mesmo que isso significasse sacrificar meu sono e bem-estar. No fundo, sempre preferi atividades mais tranquilas e intimistas.
Agora, com meus trinta e tantos anos, adoro usar a desculpa de que estou velha demais para fazer certas coisas. Na verdade, não é uma questão de me sentir velha coisa nenhuma, muito pelo contrário, ainda me sinto bastante jovem. Simplesmente não tenho interesse, e para evitar longas explicações sobre minhas preferências, recorro à idade como uma forma conveniente de justificar minha escolha de não participar de certos eventos.
É comum ouvir pessoas falando que antes conseguiam ir para baladas, ficarem acordadas até tarde e ainda serem funcionais no dia seguinte, enquanto agora não conseguem mais por causa da idade. Só que, no meu caso, eu nunca consegui. Sempre foi um verdadeiro desafio para mim. Até mesmo frequentar a faculdade à noite foi uma luta, pois frequentemente eu cochilava durante as aulas ou procurava desesperadamente por chicletes na tentativa de afastar o sono.
Mas quando a gente é jovem e não gosta de coisas tipicamente jovens, a gente é taxado de careta - cringe na linguagem atual.
Por isso hoje em dia me sinto muito mais validada por absolutamente amar os programas considerados de gente velha, ou 30+ - e que não deveriam receber tal rótulo, já que são programas muito legais de se fazer em qualquer idade -, como sair para tomar um chá com bolinhos de dia, encontrar amigos em casa ou em algum lugar tranquilo para comer, tomar uns drinks e, às vezes, jogar jogos. Também adoro sair para programas que terminam, no máximo, por volta das 21h. Voltar para casa e ter uma boa noite de sono, de pelo menos 8 horas, e ainda acordar cedo no dia seguinte. Simplesmente amo!
Uma dessas noites com amigos, regada a pouco vinho, comidinhas, jogos e muitas risadas, rendeu boas histórias e até uma crônica!
Jogos
Há algumas semanas meu marido e eu recebemos um casal de amigos em casa para uma noite de vinhos, lanches e jogos. Esse tem sido meu tipo favorito de programa, especialmente pela parte dos lanches dos jogos. Antes, admito, eu não era tão fã, tinha preguiça e, além disso, me considero uma pessoa pouco competitiva. Não é que eu não goste de brincar e ganhar, eu até gosto, mas também não gosto que as pessoas percam. Vai entender… Hoje em dia tenho apreciado bastante esse tipo específico de programa, pois acho que cria uma interação divertida com quem gosto, não exige ficar em pé em lugares barulhentos e mantém o foco longe dos celulares.
Nessa noite em questão, nossos amigos trouxeram um jogo chamado Telestration. Era uma novidade para mim e para meu marido, então minha amiga explicou as regras: cada participante recebe um caderninho com várias páginas, e logo na primeira deve escrever uma palavra ou frase qualquer e passar o caderno para a pessoa à sua direita. Essa pessoa ao abrir o caderno na página com a palavra/frase deve desenhar na segunda página algo que represente o que foi escrito no prazo de um minuto e meio, indicado por uma pequena ampulheta. Na sequência ela deve passar o caderno novamente para a direita e a próxima pessoa deve escrever uma palavra ou frase que represente o conteúdo da segunda página, ou seja, o desenho. E assim o jogo segue por mais rodadas. A diversão está em ver como, no final, os desenhos e palavras/frases que se seguem muitas vezes não têm absolutamente nada a ver com o que foi escrito inicialmente, bem no estilo telefone sem fio.
Quando minha amiga terminou de explicar as regras e o objetivo do jogo fiquei nervosa. O jogo envolve desenho e eu não sei desenhar. Falei isso para ela, que logo disse que o fato de eu não saber tornaria o jogo ainda mais divertido. Aceitei jogar, embora já previsse a humilhação que enfrentaria.
Na primeira rodada, recebi o caderno do namorado da minha amiga, com uma frase longa e aleatória sobre Sonic e ouriços. Eu conheço o Sonic, e sei o que é um ouriço, apesar de que até aquele momento eu não sabia que o Sonic é um ouriço antropomórfico. Conseguia visualizar perfeitamente ambos em minha mente, mas representá-los no papel era uma tarefa difícil, quase impossível. Meus desenhos sempre foram uma composição desajeitada de formas geométricas básicas, como círculos, quadrados e triângulos. Sou desprovida da habilidade de transcender o plano unidimensional, de dar forma, profundidade e criar efeitos de luz e sombra no papel.
Eu estava tão nervosa que queria propor trocar a brincadeira, mas decidi manter o espírito esportivo e tentar desenhar alguma coisa nos míseros segundos mostrados na ampulheta. Pensei que desenhar o Sonic era impossível, muito complexo; então restou o ouriço, que poderia ser mais fácil. Desenhei um círculo e nas extremidades fiz vários riscos, que deveriam representar os espinhos. Sabe aquele sol que a gente desenha quando criança? Então, meu ouriço ficou algo bem parecido com essa representação. O último grão de areia da ampulheta se esvaiu, sinalizando que o tempo havia acabado, e foi isso que consegui passar para a pessoa à minha direita.
Os cadernos foram passando de mão em mão até que finalmente chegou o momento de revelar os desenhos e as palavras/frases. A cada revelação, meu medo e vergonha só aumentavam. Meus oponentes podiam não ser artistas renomados, mas conseguiram produzir algo decente que lembrasse o que estava escrito. Chegou a temida vez do meu desenho do ouriço. A pessoa que recebeu o círculo com riscos não fazia ideia do que aquilo representava. Acabou sugerindo que era o vírus da covid-19 e passou essa interpretação adiante. Nas páginas seguintes do caderno, surgiram representações de cartelas de cloroquina, seringas e um desenho muito mais apropriado do vírus. Meu ouriço, coitado, se perdeu totalmente no meio do caminho.
A segunda rodada foi ainda mais humilhante, pois recebi a palavra “safari”. Pensei em desenhar um leão, mas como desenhar o imponente rei da selva? Abusando das formas geométricas básicas, desenhei novamente o sol/covid para representar a cabeça e a juba do leão, uma reta horizontal para o corpo, e outras retas verticais para as pernas. Por algum motivo, decidi adicionar um rabinho em espiral – desde quando leão tem rabo em espiral, gente? –, e foi isso que passei para a pessoa seguinte. Algumas rodadas depois, o caderno voltou para mim com a frase: “leão peidando”. Na hora identifiquei que aquela frase dizia respeito ao meu desenho e disparei a rir de nervoso. Pelo menos a pessoa entendeu que meu desenho se tratava de um leão. Desenhei novamente o sol/covid com os traços representando corpo e pernas, mas agora fazendo questão de mostrar que o espiral era um peido, e passei o caderno para a próxima pessoa.
Na hora da revelação, garanti muitas risadas ao grupo. Entre desenhos de aranhas lutadoras em um ringue muito bem traçado pelo meu marido, nada se destacou e teve mais graça do que meu leão – com cabeça de sol/covid – peidando. Meus amigos gastaram muitos minutos analisando os poucos ângulos daquela obra nada prima, enquanto quase se engasgavam de tanto rir. Eles finalmente entenderam minha resistência inicial ao jogo, porque uma coisa é não ter muita habilidade com desenho, outra é não ter nenhuma, como no meu caso.
Passadas as crises de riso, para meu alívio, alguém propôs jogar outra coisa. Todos concordaram, acredito que nesse ponto já estavam com um pouco de pena de mim e queriam evitar mais humilhações. Passamos a jogar um jogo no estilo Uno, cujo objetivo é se desfazer das cartas que você tem na mão. Não ganhei nenhuma das três rodadas que jogamos, mas pelo menos as derrotas foram mais dignas do que minhas tentativas desastrosas de desenhar.
Fora do Laboratório…
Acredito que todos estejam cientes do eclipse total que ocorreu no dia 8 de abril de 2024. O fenômeno foi visível aqui na província do Quebec e ainda estou sem acreditar que eu pude vê-lo pessoalmente. Foi uma das experiências mais incríveis e emocionantes que já vivenciei. Quando a lua cobriu o sol, deixando apenas um círculo de luz ao seu redor, e o dia escureceu por três minutos, eu só conseguia agradecer por estar viva e por presenciar algo tão extraordinário.
O que estou lendo: Normal People, da Sally Rooney. Nunca li nada da autora, sei que ela é um fenômeno, que uns amam e outros nem tanto, e fiquei curiosa para conhecer seu trabalho, começando pelo mais famoso. Estou nas primeiras páginas e por enquanto ainda não tenho uma opinião formada.
Newsletters que amei: Ser uma mulher brasileira, latina, vivendo no Canadá apresenta uma série de desafios: lidar com os inúmeros estereótipos, culpa por estar distante de suas raízes e entes queridos e a eterna busca por conexão e pertencimento são apenas alguns exemplos. Por outro lado, estar aqui também fortalece meu senso de identidade e meu orgulho pela resiliência e pela luta do povo latino, que é o meu povo. Por isso eu absolutamente amei essa edição da Ludmila Primo em que ela relaciona como a arte de Frida Khalo e a literatura de Gabo são uma forma “mágica, insólita e bela” de retratar a dura realidade latino-americana:
O que assisti: Maratonei a série Daisy Jones and The Six (Amazon Prime). Eu amei principalmente as músicas, mais até do que a série em si. Fiquei com pena de a banda não ter existido de verdade, porque se existisse, grandes chances de que eu seria fã!
O que ando ouvindo: Obviamente, Daisy Jones and The Six:
Abraços e até a próxima.
Créditos:
Revisão de texto: Lorena Camilo
Me identifiquei tanto com o que foi dito aqui, menina.
De ser uma pessoa diurna (durmo 21h e acordo 5h, todo dia, desde sempre) até a ausência total de talento para desenho (nas aulas de arte da escola eu pedia para um amigo fazer meus trabalhos).
Obrigada pela referência, imagino como deve ser diferente viver tão distante da realidade latinoamericana, que apesar de todos os pesares, tem suas belezas.
Um beijo!!!
Não gostei do jogo em que é necessário desenhar... Baralho é mais confortável e divertido (quase garantido!). Mas, jogar, por si só é sempre oportunidade de estarmos com as pessoas. Se num lugar sossegado, melhor ainda!! :)